A atriz
Daryl Hannah, que fez parte do elenco de filmes com "Blade Runner" e
"Kill Bill", deu entrevistas falando abertamente sobre as
dificuldades que enfrentou, principalmente na infância, por ser autista.
"Era muito amedrontada e insegura", disse ela ao site da Fox News. Os
médicos queriam interná-la sob a alegação de que apresentava "timidez
debilitante", mas, por persistência da mãe, mudaram-se para Los Angeles.
Ela estava com 17 anos. Hoje, aos 52, tem carreira consolidada no cinema.
Não são
raros os casos de autistas célebres — pessoas que possuem diferenças
neurológicas, são produtivas, mas que têm dificuldades de se ajustar ao padrão
social e, por isso mesmo, são excluídas.
Mas o
diagnóstico depende muito do especialista — do seu método e da sua percepção
sobre o paciente. Para uma boa parte deles — psiquiatras, médicos e terapeutas
—, o diagnóstico de qualquer forma de autismo é feito por meio de um longo
questionário cujas respostas valem pontos. Dependendo da soma desses pontos, o
exame conclui se o indivíduo é ou não autista. E normalmente esse indivíduo
está fadado a sofrer exclusão social e, em alguns casos, como o de Daryl
Hannah, correr o risco de ser internada.
Mas para
uma outra escola de especialistas, a Síndrome de Asperger é só um rótulo. Nela,
está o pediatra e psiquiatra Wagner Ranna, especialista em somatização de
doenças, que aborda a questão de outra maneira: "Para eu chegar a um
diagnóstico, faço, pelo menos, seis sessões com o paciente", diz ele. A
diferença dos métodos determina que o importante não são os parâmetros rígidos
de avaliação, mas sim a percepção das verdadeiras características do indivíduo.
Pessoas
como Daryl Hannah não podem ser simplesmente rotuladas como portadores de uma
doença, principalmente se são produtivas e apresentam um comportamento social
aceitável. Nesse caso, segundo Ranna, são apenas "diferentes".
Diferentes no comportamento social, na comunicação e em alguns hábitos e gestos
estranhos, digamos assim. E de certa forma, ser "diferente", segundo
o médico, não quer dizer nada. "Afinal, todos somos diferentes uns dos
outros. Há aqueles que têm dificuldades em alguma atividade específica, mas têm
habilidade para fazer outras. No fundo, todos somos assim", diz.
O
cérebro, por exemplo, é como uma impressão digital: não há um igual ao outro,
nem mesmo em gêmeos univitelinos, argumenta Ranna, que é especialista em saúde
mental de crianças e adolescentes e um pioneiro no Brasil na detecção de
distúrbios do autismo na primeira infância. "O ser humano é muito diverso.
É uma perda de tempo ficar excluindo e estigmatizando pessoas com a Síndrome de
Asperger, por exemplo", diz ele. "O mais importante não é tentar
eliminar os sintomas, como se fosse uma doença. Se o comportamento do indivíduo
não o impede de estar em grupo, não há motivo para isso. A ideia é fazê-lo se
integrar na sociedade com todas as suas diferenças. Afinal, é a diferença que
produz a qualidade. A sociedade tem necessidade de criar padrões de
comportamento e o que estiver fora desses padrões recebe rótulos", diz o
médico. "Afinal, alguns indivíduos considerados autistas podem dar enorme
contribuição à sociedade, serem brilhantes no que fazem".
O tema,
na verdade, é a constatação da necessidade social de estabelecer parâmetros de
normalidade, para que as pessoas possam aceitar ou não o indivíduo. Nesse
raciocínio, se Hannah é autista e não é "normais", não pode ser ídolo
nem gênio — o que é uma forma aguda de preconceito.
Justamente
para combater esse limites impostos pela sociedade que surgem manifestações que
sustentam a aceitação social da "neurodiversidade". Ou seja:
variações normais do genoma humano que determinam grande diversidade da
condição neurológica, mas que não impedem que o indivíduo seja produtivo e, à
sua maneira, adaptado à sociedade. Essas manifestações, como por exemplo a
organização americana Aspies for Freedom (liberdade aos portadores da Síndrome
de Asperger), celebram a condição "diferente" dos portadores da
síndrome e preconizam sua plena aceitação social, não como doentes, mas como
indivíduos normais.
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