NOMENCLATURA DIAGNÓSTICA: CONCEITOS E
CONFUSÕES
Cristina Maria Pozzi
Sempre digo que a medicina aumentou consideravelmente o meu
vocabulário. Em poucos anos, milhares de palavras foram significadas,
aprendidas e passaram a fazer parte do discurso diário. Mas, para que
tantos nomes, siglas e especificações? Para que se possa falar a
mesma língua de maneira universal, p. ex. síndrome de Down é uma trissomia do cromossomo 21, reconhecida
aqui, na China ou qualquer lugar do planeta e confere ao portador uma
série de características peculiares no fenótipo (aparência física) bem como,
pode envolver diversos órgãos e sistemas (cardiopatia, alterações tireoidianas,
ortopédicas, oftalmológicas, entre outras). Outro exemplo, o Transtorno Global
do Desenvolvimento – Autismo Infantil exibe as mesmas
características clínicas ao acometer o indivíduo
de um grande centro urbano ou o indivíduo que vive numa
comunidade rural, guardadas as diferenças ambientais. E para tornar
isso possível, foram organizadas classificações que
são de referência mundial: a Classificação Internacional de Doenças,
a CID que está em sua 10ª revisão, elaborada pela Organização Mundial da
Saúde, e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o
famoso DSM, com a 5ª edição prevista para maio deste ano, elaborado pela
Associação Americana de Psiquiatria. Ambas facilmente acessadas nas
fantásticas páginas de busca na internet.
A CID-10 engloba todas as doenças, desde infecciosas e
parasitárias, doenças do sangue, endócrinas, cardíacas, mentais e
comportamentais, do sistema nervoso, respiratório e por aí afora. São
categorizadas em letras e números, como p. ex. Q90 para Síndrome de Down e F84
para Transtorno Global do Desenvolvimento. Este é o tal CID exigido
nos atestados, laudos, relatórios com a finalidade de se obter os
direitos. Já o DSM engloba os Transtornos Mentais, que vão desde Retardo
Mental, Transtornos de Aprendizagem, geralmente diagnosticados pela primeira
vez na infância ou adolescência, até Transtornos relacionados a Uso de
Substâncias, Transtornos de Ansiedade, do Humor, entre outros. São
identificados por números, p. ex. 299 para Transtorno Global do Desenvolvimento
ou 314 para Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
E é com base nestas classificações que se define o
diagnóstico, muitas vezes, e, sobretudo na área de saúde mental,
dependente exclusivamente de critérios clínicos, descritos ao longo de
cada capítulo. Desta forma, é possível utilizar a mesma nomenclatura em
uma ampla gama de contextos, seja na clínica, na pesquisa, na reabilitação,
entre outros, em qualquer lugar do mundo. Mas há algumas situações nas quais
esta terminologia difere e aí podem surgir dúvidas e confusões…
Continuando no exemplo do Transtorno Global do
Desenvolvimento, a tabela abaixo mostra as correspondências entre os
subtipos deste transtorno listados no DSM-IV e na CID-10.
Clique na imagem para visualizar melhor.
Como se pode perceber, os termos transtorno e
síndrome têm correspondência e definem o mesmo quadro, ambos podem
ser utilizados de acordo com a classificação preferida, onde são
descritos os critérios clínicos necessários para o diagnóstico.
Outro exemplo interessante é relativo aos Transtornos da
Aprendizagem, segundo DSM-IV ou Transtornos Específicos das Habilidades Escolares,
segundo a CID-10. Primeiramente, é preciso compreender que, por definição,
um Transtorno de Aprendizagem consiste em um rendimento nas modalidades
habituais de aprendizado substancialmente abaixo do esperado para idade,
escolarização e nível de inteligência e não é devido à falta de
oportunidade de aprendizagem ou doença neurológica, outra condição médica
geral ou déficit sensorial. Isso implica, em condições adequadas de
educação familiar e escolar (aspecto complexo!), normalidade das funções
visual, auditiva e saúde sistêmica e ausência de retardo mental
observado através de testes padronizados administrados
individualmente (aplicados única e exclusivamente por
psicólogos).
Os Transtornos de Aprendizagem devem ser diferenciados das
variações normais do rendimento escolar e das dificuldades escolares
devido à falta de oportunidades, ao ensino deficiente ou a fatores
culturais. Assim, torna-se fundamental diferenciar o que é
Transtorno (ou Distúrbio) de Aprendizagem do que é Dificuldade Escolar. O primeiro
envolve uma disfunção neurobiológica relacionada a uma falha no
processo de aquisição ou do desenvolvimento destas habilidades, tendo,
portanto, caráter funcional. Diferentemente, a Dificuldade Escolar está
relacionada especificamente a um problema de ordem e origem pedagógica ou
ambiental.
Sabidamente, as cifras de Dificuldade
Escolar neste país são assustadoras, com cerca de 30 a 40% da
população que freqüenta as primeiras séries apresentando algum grau de
dificuldade. Já os Transtornos de Aprendizagem giram em torno de 3 a
5% da população com dificuldade acadêmica.
Os Transtornos de Aprendizagem são subdivididos de acordo
com a habilidade escolar alterada e incluem o Transtorno da Leitura,
Transtorno da Matemática, Transtorno da Expressão Escrita e o Transtorno da
Aprendizagem Sem Outra Especificação, segundo o DSM-IV. O diagnóstico
envolve uma avaliação multidisciplinar (médico pediatra, neurologista ou
psiquiatra infantil, fonoaudiólogo, psicólogo, no mínimo) com a finalidade de
testar as diversas funções e habilidades desta criança. Exames como
eletroencefalograma ou tomografia de crânio não são indicados sistematicamente,
salvo raras exceções, pois resultarão normais. O imprescindível é checar
função visual, auditiva, tireoidiana, afastar
anemia, epilepsia, avaliar habilidades fonológicas, funções
executivas (atenção, memória, raciocínio, linguagem, etc.), exame
neurológico e psíquico, além de analisar todo o histórico pessoal, o
contexto familiar e escolar. O uso de medicamento nestes casos também não se
indica, a menos que sejam diagnosticadas comorbidades. O tratamento é
treino, treino e mais treino das habilidades disfuncionais, respeitando os
limites da criança, incentivando-a e valorizando suas iniciativas. Criar uma
rede de profissionais envolvidos entre terapeutas, escola e família e trabalhar
em conjunto, sempre.
“Se uma criança não pode aprender da maneira como é
ensinada, é melhor ensiná-la da maneira que ela pode aprender” (Welchmann)
Cristina Maria Pozzi
Médica Neuropediatra, Mestrado em Pediatria pela Santa Casa
de Misericórdia de São Paulo, Doutoranda em Psicologia Clínica e Pesquisadora
do Laboratório de Distúrbios do Desenvolvimento no Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo IPUSP – SP
Fonte: http://www.psicosol.com/nomenclatura-diagnostica-conceitos-e-confusoes/
Fonte: http://www.psicosol.com/nomenclatura-diagnostica-conceitos-e-confusoes/
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