8. Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida
A Síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA, normalmente
em Portugal, ou AIDS,
mais comum no Brasil) é o conjunto de sintomas e infecções em seres humanos resultantes do dano específico do sistema imunológico ocasionado pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH, ou HIV segundo a terminologia anglo-saxónica). O
alvo principal são os linfócitos TCD4, fundamentais para a coordenação das defesas do organismo. Assim que
o número destes linfócitos diminui abaixo de certo nível (o centro de controle
de doenças dos Estados Unidos da América define este nível como 200 por ml), o colapso do sistema
imune é possível, abrindo caminho a doenças oportunistas e tumores que podem
matar o doente. Existem tratamentos para a SIDA/AIDS e o HIV que diminuem a
progressão viral, mas não há nenhuma cura conhecida.
HIV
O HIV é um retrovírus, ou seja é um vírus com genoma de RNA, que infecta as células e, através da sua enzima transcriptase reversa, produz uma cópia do seu genoma em DNA e incorpora o seu
próprio genoma no genoma humano, localizado no núcleo da célula
infectada. O HIV é quase certamente derivado do vírus da imunodeficiência
símia. Há dois vírus HIV, o HIV que causa a SIDA/AIDS típica, presente em todo
o mundo, e o HIV-2, que causa uma doença em tudo semelhante, mais frequente na
Africa Ocidental, e também existente em Portugal.O HIV reconhece a proteína de membrana
CD4, presente nos linfócitos T4 e macrófagos, e pode ter receptores para outros dois tipos de moléculas presentes na membrana celular de células humanas: o CCR5 e o CXCR4. O CCR5 está presente nos macrófagos
e o CXCR4 existe em ambos macrófagos e linfócitos T4, mas em pouca quantidade
nos macrófagos. O HIV acopla a essas células por esses receptores (que são
usados pelas células para reconhecer algumas citocinas, mais
precisamente quimiocinas), e entra nelas fundindo a sua membrana com a da célula. Cada virion de
HIV só tem um dos receptores, ou para o CCR5, o virion M-trópico, ou para o
CXCR4, o virion T-trópico. Uma forma pode-se converter na outra através de mutações no DNA do
vírus, já que ambos os receptores são similares.
A
infecção por HIV normalmente é por secreções genitais ou sangue. Os
macrófagos são muito mais frequentes que os linfócitos T4 nesses liquidos, e
sobrevivem melhor, logo os virions M-trópicos são normalmente aqueles
que transmitem as infecções. No entanto, como os M-trópicos não invadem os
linfócitos, eles não causam a diminuição dos seus números, que define a SIDA.
No entanto, os M-trópicos multiplicam-se e rapidamente surgem virions
mutantes que são T-trópicos.
Os virions T-trópicos são pouco infecciosos, mas como são invasores dos
linfócitos, são os que ultimamente causam a imunodeficiência. É sabido que os
raros indivíduos que não expressam CCR5 por defeito genético não aquirem o
vírus da HIV mesmo se repetidamente em risco.
O HIV causa danos nos linfócitos, provocando a sua lise, ou morte celular,
devido à enorme quantidade de novos virions produzidos no seu interior, usando
a sua maquinaria de síntese de proteínas e de DNA. Outros linfócitos produzem
proteínas do vírus que expressam nas suas membranas e são destruídos pelo
próprio sistema imunitário. Nos linfócitos em que o vírus não se replica mas
antes se integra no genoma nuclear, a sua função é afectada, enquanto nos
macrófagos produz infecção latente na maioria dos casos. Julga-se que os
macrófagos sejam um reservatório do vírus nos doentes, sendo outro reservatório
os ganglios linfáticos, para os quais os linfócitos infectados migram, e onde disseminam os
virions por outros linfócitos aí presentes.
É irónico como a resposta imunitária ao HIV nas primeiras semanas de
infecção é eficaz em destruí-lo, mas as concentrações de linfócitos nos
gânglios linfáticos devido à resposta vigorosa levam a que os virions
sobreviventes infectem gradualmente mais e mais linfócitos, até que a resposta
imunitária seja revertida. A reacção eficaz é feita pelos linfócitos T8, que
destróem todas as células infectadas. Contudo, os T8, como todo o sistema
imunitário, está sob controlo de citocinas (proteínas mediadoras) produzidas,
pelos T4, que são infectados. Eles diminuem em número com a progressão da
doença, e a resposta inicialmente eficaz dos T8 vai sendo enfraquecida. Além
disso as constantes mutações do DNA do HIV mudam a conformação das proteínas de
superfície, dificultando continuamente o seu reconhecimento.
Progressão
A infecção por HIV é por via sexual, intravenosa ou mãe-filho.
Em
vermelho níveis de HIV, em azul níveis de linfócitos T4
A manifestação da doença por HIV é semelhante a uma gripe ou mononucleose infecciosa e ocorre 2 a 4 semanas após a infecção. Pode haver
febre, mal-estar, linfadenopatia (gânglios linfáticos inchados), eritemas
(vermelhidão cutânea), e/ou meningite víral. Estes sintomas são largamente ignorados, ou
tratados enquanto gripe, e acabam por desaparecer, sem tratamento, após algumas
semanas. Nesta fase há altas concentrações de vírus, e o portador é altamente
infeccioso.
A segunda fase é a da quase ausência do vírus, que se encontra apenas nos
reservatórios dos gânglios linfáticos, infectando gradualmente mais e mais T4s;
e nos macrófagos. Nesta fase, que dura vários anos, o portador é soropositivo,
mas não desenvolveu ainda SIDA/AIDS. Não há sintomas, e o portador pode transmitir
o vírus a outros sem saber. Os níveis de T4 diminuem lentamente e ao mesmo
tempo diminui a resposta imunitária contra o vírus HIV, aumentando lentamente o
seu número, devido à perda da coordenação dos T4 sobre os eficazes T8 e
linfócitos B (linfócitos produtores de anticorpo).
A terceira fase, a da SIDA, inicia-se quando o número de linfócitos T4 desce abaixo do nível crítico (200/ml), o que não é suficiente para
haver resposta imunitária eficaz a invasores. Começam a surgir cansaço, tosse,
perda de peso, diarréia, inflamação dos gânglios linfáticos e suores noturnos,
devidos às doenças oportunistas, como a pneumonia por Pneumocystis jiroveci, os linfomas, infecção dos olhos por citomegalovírus, demência e o sarcoma de Kaposi. Ao fim de alguns meses ou anos advém inevitavelmente a morte.
Excepções a este esquema são raras. Os muito raros "long term
non-progressors" são aqueles indivíduos que permanecem com contagens de T4
superiores a 600/ml durante longos períodos. Estes indivíduos talvez tenham uma
reação imunitária mais forte e menos susceptível à erosão contínua produzida
pelo vírus, mas detalhes ainda são desconhecidos.
9. Síndromes clínicas
As doenças oportunistas são doenças causadas por agentes, como outros
vírus, bactérias e
parasitas, que são comuns mas normalmente não causam doença ou causam apenas
doenças moderadas, devido à resposta imunitária eficiente. No doente com
SIDA/AIDS, manifestam-se como doenças potencialmente mortais:
2. Infecções por bactérias: Mycobacterium
avium-intracelulare, outras microbactérias que normalmente não causam
doenças, Mycobacterium tuberculosis, Salmonella, outras.
3. Infecções por fungos: candidíase dos pulmões ou esôfago
(por Candida albicans, uma levedura); pneumonia por Pneumocystis carinii; Criptococose, Histoplasmose, Coccidiomicose.
5. Neoplasias: câncros como linfoma e linfoma de Hodgkins, causado pelo vírus Epstein-Barr, sarcoma de Kaposi
Outras condições incluem encefalopatia causada por HIV que leva à demência e é uma ação direta
do vírus nos micróglios (células cerebrais semelhantes a macrófagos) que
infecta. Um achado característico é a leucoplasia pilosa (placa branca pilosa na boca) devida ao vírus Epstein-Barr.
Epidemiologia
Predomínio do HIV entre adultos por país no final
de 2005
██ 15-50%
██ 5-15%
██ 1-5%
██ 0,5-1,0%
██ 0,1-0,5%
██ <0,1%
██ sem informação
Calcula-se que mais de 15 000 pessoas sejam infectadas por dia em todo o
mundo (dados de 1999); 45 milhões estão
atualmente infectadas, e 3 milhões morrem a cada ano. A esmagadora maioria dos
casos ocorre na África, onde a
principal forma de transmissão é o sexo heterossexual, e o uso de prostitutas.
Regiões em risco com alto crescimento de novas infecções são a o leste da Europa , a Índia e o
Sudoeste Asiático. No Brasil vivem mais
que 650 000 (320 000 – 1 100 000) pessoas de idade entre 15
e 49 anos com o HIV (estimativa da WHO
- UNAIDS). A taxa de infecção de consumidores de heroína ronda os
80% em muitas cidades européias e americanas.
As populações de risco são pessoas homossexuais ou heterossexuais sexualmente ativas com múltiplos parceiros; os tóxicodependentes que usam agulhas, prostitutas, filhos recém-nascidos de soropositivas. Outro grupo de risco são os profissionais da saúde, médicos, enfermeiros e outros que lidam freqüentemente com soropositivos (conhecidos ou não).
Uma pequena ferida quase indetectável na mão do médico quando examina um
paciente ferido e com sangue, ou um acidente com agulhas, pode ser o
suficiente, em 1% dos casos, para o infectar. As transfusões de sangue e derivados
de sangue já não são perigosas devido a rigorosos regimes de controle e
detecção de vírus.
A transmissão é por sêmen, sangue e secreções vaginais. O HIV não pode ser transmitido, absolutamente, por toque
casual, beijos, espirros, tosse, picadas de insetos, água de piscinas, ou objetos
tocados por soropositivos.
O sexo anal é a prática sexual
de mais alta taxa de transmissão, seja entre dois homens ou entre uma mulher e
um homem. O sexo vaginal permite transmissão mais fácil para a mulher do que
para o homem, mas ambos podem ser infectados pelo outro. O sexo vaginal
violento resulta em taxas de infecção muito altas, devido às micro-hemorragias genitais. Hoje em dia a troca de seringas infectadas
é uma das formas de transmissão mais freqüentes.
Diagnóstico
O diagnóstico de soropositividade é naturalmente por sorologia, ou seja detecção dos anticorpos produzidos contra o vírus com um teste ELISA. Eles são
sempre os primeiros a serem efectuados, contudo dão resultados positivos
falsos, por vezes. Por isso é efectuado nos casos positivos um teste, muito
mais específico e caro, de western blot, para confirmar antes de se informar o paciente. Eles
não detectam a presença do vírus nos indivíduos recentemente infectados. A
detecção do DNA viral pela técnica de PCR também é
utilizada, assim como a contagem de linfócitos T4.
Qualquer indivíduo que tenha uma infecção com um organismo incapaz de
ultrapassar o sistema imunitário de pessoas normais deve ser suspeito de ter
síndrome de imunodeficiência adquirida.
Tratamento
Fármacos usados no tratamento da infecção por HIV interferem com funções da
biologia do vírus que são suficientemente diferentes de funções de células
humanas:
1. Existem inibidores da
enzima transcriptase reversa que o vírus usa para se reproduzir e que não
existem nas células humanas:
o Inibidores da protease
que cliva as proteínas do vírus após transcrição: saquinavir, nelfinavir, amprenavir, ritonavir, outros.
Hoje em dia o uso de medicamentos é em combinações de um de cada dos três
grupos. Estes cocktails de antivíricos permitem quase categorizar, para quem
tem acesso a eles, a SIDA em doença crónica. Os portadores de HIV que tomam os medicamentos sofrem
de efeitos adversos extremamente incomodativos, diminuição drástica da
qualidade de vida, e diminuição significativa da esperança de vida. Contudo é possível que não morram directamente da doença, já que os fármacos são
razoavelmente eficazes em controlar o número de virions. Contudo houve
recentemente notícias de um caso em Nova Iorque cujo vírus já era resistente a todos os medicamentos, e essas estirpes
poderão "ganhar a corrida" com as empresas farmacêuticas.
Os medicamentos actuais tentam diminuir a carga de vírus, atrasando a baixa
do número de linfócitos T4, o que aumenta a longevidade do paciente e a sua
qualidade de vida. Quanto mais cedo o paciente começar a ser tratado com
medicamentos maior a duração da sua vida, porque com níveis baixos de
linfócitos T4 já pouco há a fazer.
Como não há cura ou vacina, a prevenção tem um aspecto fundamental,
nomeadamente práticas de sexo seguro como o uso de preservativo (ou
"camisinha") e programas de troca de seringas nos toxicodependentes.
Prevenção
Estimativa de aquisição do HIV por método de
contágio[1]
|
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Forma de exposição
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Risco por 10 000 exposições a uma fonte infectada
|
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Transfusão de sangue
|
9.000[2]
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|
Nascimento
|
2.500[3]
|
|
Uso compartilhado de seringa
|
67[4]
|
|
Agulha cortante
|
30[5]
|
|
Penetração vaginal receptiva*
|
||
Penetração vaginal insertiva*
|
||
Penetração anal receptiva*
|
||
Penetração anal insertiva*
|
||
Penetração oral receptiva*
|
1[7]§
|
|
Penetração oral insertiva*
|
0.5[7]§
|
|
*
assumindo o não uso de preservativo
§ Fonte refere-se ao relacionamento sexual praticado no homem |
||
O mais importante para prevenir esta doença é fazer campanhas de informação
e sensibilização, sobretudo junto aos jovens. Por exemplo, deve-se comunicar
que a prevenção é feita utilizando preservativos nas relações sexuais. A troca de agulhas para tóxico-dependentes também é importante, já que as
agulhas usadas contaminadas são uma origem freqüente da contaminação.
A campanha anti-AIDS do Brasil é mundialmente reconhecida como uma das mais mal sucedidas. O Brasil tem taxas de infecção muito superiores às de outros países desenvolvidos, e aparentemente os números estão relativamente instáveis.]
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